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Com as tendências mais passageiras e rápidas do que nunca, especialistas passam a analisar essa nova era não como a de fast fashion – com propósito de fabricação, consumo e descarte rápido – mas sim de ultra fast fashion – que conta com peças com qualidade e preço ainda menores.


As pessoas que ambicionam estar dentro das tendências do momento precisam lidar com um grande volume de compras mensais para se adequar a cada uma das peças que estão aparecendo diariamente em suas telas como a tendência do momento. E para lidar com essas compras em excesso, muitas pessoas recorrem às marcas que vendem os produtos que se adequem ao combo: dentro das tendências do momento e com um preço relativamente baixo.


Essas peças podem até terem um saldo positivo na questão financeira, mas elas têm um custo bem negativo que vai contra toda a onda de sustentabilidade e questões sociais, que foram dois assuntos colocados em pauta nos últimos anos. O histórico dessas marcas que se adequam ao ultra fast fashion são nebulosas e nada certeiras: afinal, direitos trabalhistas e preocupação com o meio ambiente não combinam com o modo de operação dessa nova onda de consumo rápido.


“É difícil a gente dividir hoje mundo digital do mundo físico. As redes também operam dentro desta mesma lógica do Fast Fashion, da aceleração, de uma alta produtividade, de uma maior margem de lucro, de cada vez mais pessoas trabalhando para conduzir o processo. Então, se a gente for parar para pensar, a logística é praticamente a mesma”, é o que explica Julia Codogno, comunicadora de moda e sustentabilidade.


Um exemplo de marca que se adequa ao ultra fast fashion e todo o novo sistema de tendências é a própria Shein, queridinha da Geração Z. De acordo com uma notícia produzida por Lora Jones para a BBC em novembro de 2021, a Shein adiciona cerca de 6 mil novos itens ao seu catálogo digital diariamente, com um preço médio de R$ 58 por produto. 


Na aba “Sobre Nós” do próprio site da Shein, é possível observar como a marca é focada justamente no aproveitamento do cenário em que as tendências são criadas quase diariamente: “Quando a empresa foi fundada em 2012, percebemos que as empresas de moda tinham que escolher entre oferecer escolha ou reduzir a pressão de estoque e o desperdício. Para mudar isso, [fomos] liderando o desenvolvimento de processos e tecnologias alternativas para trazer a moda para o futuro”.


Através destas pesquisas, é possível ver a relevância e a grandiosidade da marca – principalmente por terem se adaptado tão bem às redes sociais. No TikTok, ao buscar pela hashtag #Shein, não fica difícil encontrar diversos conteúdos relacionados a marca: unboxing; como eram as peças no anúncio e como elas chegaram; roupas que estão no app por um preço baixo e são similares a peças de grifes; como construir determinado look usando peças somente da marca chinesa. Pensando no contexto nacional, um case perfeito para demonstrar o que vimos até aqui é a proposta da marca C&A de criar uma mini coleção a cada 24 horas. Os produtos seriam baseados nas hashtags mais usadas ou nos assuntos que viralizaram.

Na passarela… O individualismo!

Eu sei, pode parecer loucura. É conteúdo demais, peças demais, tudo rápido demais. E é por isso que é tão importante pensarmos em quem são as pessoas que estão alimentando esse sistema e principalmente vivendo nessa dinâmica. Por isso, antes de focarmos, de fato, nas principais consequências do consumo ultra fast fashion, vamos analisar sociologicamente um pouco do comportamento da Geração Z, que são as pessoas nascidas entre 1995 e 2010.

 
Érika fala sobre uma das principais características desta: o individualismo. E é a partir dessa particularidade que vamos entender um pouco melhor a respeito da mudança de todo o contexto das tendências e do ultra fast fashion.
Com vocês, a Geração Z: “Uma geração que precisa primeiro se salvar no sentido de que ela não tem estabilidade. É uma geração que começou a ingressar no mercado de trabalho e na vida adulta com um mundo extremamente instável, bagunçado, com pandemia, crise, diversas questões ambientais”.


Justamente por terem nascido já com a tecnologia extremamente desenvolvida, essa geração se diferencia das gerações passadas tendo “tudo na palma da mão”. Um dos lados negativos disto é exatamente o excesso – de informação, de tecnologia, e de inseguranças. “Eles abrem o Twitter e vão ver quinze catástrofes, dez acidentes, dez brigas políticas. Primeiro eles vão buscar sua segurança individual, se sentir bem consigo mesmo, isso é a base”, explicou Érika.


Por ser uma geração que pensa em si primeiro antes de pensar no próximo e não conta com muita verba justamente por não ter alcançado ainda a independência financeira, “opta por tirar vantagem”, como explica Érika.

 

É uma geração que ama desconto, ama cupom, ama ter essa sensação de que está ali tirando uma vantagenzinha, tirando proveito de alguma coisa” - Érika Gottsfritz

Na passarela… Consequências psicológicas!

Quantas horas passamos, por dia, em frente às telas? E quantas destas horas são destinadas a análises de peças que queremos e podemos comprar? Quantas destas horas são únicas e exclusivamente usadas para despertar nosso desejo de consumo? 


Julia Codogno fala sobre o senso de pertencimento – ao que, nós ainda não sabemos, e nem o porquê. Simplesmente desejamos fazer parte de algo – e às vezes, vemos naquela peça uma oportunidade de ser pertencente a algum movimento, a alguma pessoa ou a alguma coisa. Mas, ainda mais aprofundadamente, conversamos com a psicóloga Dayane Figueiredo para entender as consequências psicológicas destas mudanças ocorridas nos últimos tempos.


“As pessoas passam a maior parte do tempo tentando estar bem consigo mesmas e com os ambientes em que estão inseridas. Com isso, elas buscam estar antenadas nas tendências, seja a roupa da moda, o celular mais moderno ou o carro do ano. Essas tendências mudam com muita facilidade e velocidade, e isso pode mexer com as pessoas que estão nessa busca constante de adequação. Elas acabam criando uma imagem de que a felicidade está ligada a este padrão, afetando diretamente seu psicológico e podendo sim acarretar a problemas mentais.”


Entre esses problemas está o consumismo, em um mundo em que é mais importante termos do que sermos. Segundo a psicóloga, o consumismo “pode ser visto como uma busca incessante de preencher os vazios”. Para algumas pessoas, ir até o shopping e comprar algo novo é visto como uma chance de acalentar a dor do momento. Mas, ao contrário do que se pensava, a dor continua ali, e a pessoa transforma o ato de comprar “em um preenchedor de afetos e vazios”, ainda que esse ato não tenha a consequência esperada. A perda da capacidade de resolução de conflitos e problemas também se torna uma realidade na vida destas pessoas que se tornam dependentes da compra.

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(Imagem de Freepik)

O vício por estar antenado é como uma droga, na qual a pessoa que não consegue comprar a peça desejada se coloca em um lugar de inferioridade, perdendo sua singularidade, sua individualidade, “para caber em um padrão, para caber em uma situação que a internet coloca como a correta”. Ainda de acordo com Dayane, “o uso exagerado das redes sociais e tecnologias podem causar danos à saúde mental das pessoas. Através deste contato, as pessoas liberam altos níveis de dopamina, os mesmos hormônios liberados pelas pessoas que utilizam algum tipo de droga, ou seja, esse excesso pode causar uma dependência”.

Na passarela… Os problemas ambientais!

Além dos problemas causados em nós mesmos, também existem os problemas causados ao meio ambiente, consequentemente, nas próximas gerações. Como Julia explica, a moda ocupa uma cadeira bem representativa nas questões de impacto ambiental – isto não é segredo nenhum. 


Os problemas começam logo no início da produção, desde o momento em que é escolhida a matéria-prima que será confeccionada a peça. "Em torno de 60% dos produtos que são produzidos globalmente são feitos em poliéster, uma matéria-prima sintética que vem de uma origem de combustível fóssil não renovável”, contou Julia. Mas as problemáticas não param somente na origem; elas se expandem até mesmo ao manejo que nós, em nossas casas, temos com a peça, lembrando que “o poliéster tem uma liberação bastante expressiva de microplásticos.”


Sabe aquele dia em que você chega cansado do trabalho e joga todas as peças dentro da máquina de lavar? Depois de todo o processo de lavagem, você pode notar a infinidade de fiozinhos que saem da peça lavada. Esses fios têm a enorme chance de chegarem até a rede de esgoto e se expandirem até os grandes mares, segundo Julia.


O poliéster é apenas um exemplo de tecido – existem outros que também contam com consequências desastrosas ao meio ambiente, como o algodão por exemplo. “Apesar de ser uma matéria-prima natural, se a gente traçar ali os recortes dele, vemos que no Brasil não temos um uso tão grande de água, por conta da chuva. [Mas em compensação] temos o uso muito expressivo dos insumos agrícolas, né? O Brasil é um dos principais utilizadores de agrotóxicos. Além de uma série de outras questões que envolvem desmatamento, manejo, de quem é essa terra e por aí vai”.

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(Imagem de Freepik)

E se você pensa que acabou por aí, calma que tem mais. Depois da produção e do consumo, vem o descarte. Em um mundo de 7,8 bilhões de pessoas, isso de acordo com dados de 2021, é possível imaginar a quantidade de roupa existente no planeta terra – ainda mais na era da moda ultrarápida. Países como Gana, na África Ocidental, estão virando grandes “lixões” de roupas descartadas – e, acreditem, essas peças não desaparecem no ar ao chegar neste destino, elas simplesmente ficam lá, por meses ou até mesmo anos.

“Transformamos a roupa em um artigo descartável” - Julia Codogno
 


 

Na passarela… Os problemas sociais!

Com um ritmo de produção e demanda frenética, não há espaço para a segurança e a saúde dos trabalhadores da Indústria Têxtil. “A logística [da ultra fast fashion] é [sucatear tudo] aquilo que você realmente pode sucatear”, inclusive os meios de produção e mão de obra, “para conseguir baratear o produto, para se ter uma margem de lucro maior”. Indo por essa lógica, tudo é terceirizado e quarteirizado – e na maioria das vezes as bases desses serviços se encontram geograficamente e socialmente em regiões marginalizadas.


“Regiões cada vez mais distantes, onde as pessoas tiveram, por exemplo, menos acesso à escolaridade, o que acaba tornando este um terreno muito fértil para que as pessoas aceitem trabalhar dentro daquela realidade”, aprofundou a comunicadora. “Eu vou mantendo as pessoas ali em uma situação cada vez mais marginalizada, cada vez mais vulnerável, porque me atende.”


Além dos salários pequenos, direitos trabalhistas nulos e a falta de divisão da vida social, vida pessoal e vida profissional, há ainda a questão da saúde. Julia conta que os malefícios são enormes: desde para quem está ali, lidando com o manejo do algodão, em exposição com agrotóxicos, até mesmo a estrutura corporal da costureira que passa horas e mais horas em uma máquina de costura.

Na passarela… Um problema para os comerciantes!

Quando se fala em uma mudança tão grandiosa quanto essa que comentamos até então, é interessante analisar cada uma das camadas que serão beneficiadas e afetadas – isso inclui a parcela dos pequenos comerciantes que trabalham com a venda de artigos de moda, afinal, de acordo com um dado do Sebrae, micro e pequenas empresas geram 27% do PIB do Brasil.


“O grande varejista tem ali um respiro de caixa, um reinvestimento de uma maneira geral. [Já os pequenos comerciantes] estão fazendo uma gestão mais enxuta. Muita gente ainda tem ponto fixo nos bairros, fora do centro, da capital”, contou. E são justamente essas pessoas que precisam, quase que em um malabarismo, comprar o que é certeza que vende e o que está em alta no momento, mas de uma maneira não muito arriscada. “Pensando que a maioria empreende por necessidade é uma logística funcional, no sentido de manter um negócio de pé para conseguir fazer a renda do mês”.


Imagine que a cliente de uma pequena vendedora, dona de uma loja de bairro, queira se adequar a cada tendência que ela vê passar em sua tela do celular. Como essa vendedora irá dar conta de comprar de forma tão assertiva e com um financeiro mais enxuto? É aí que entra a grande batalha entre o pequeno vendedor e grandes marcas como a Shein.

"“O que eu sinto é o pequeno empreendedor muito enforcado para conseguir atender essa demanda e tentando fechar a conta no final do mês”

Na passarela… Um outro olhar sobre o momento!

Mas afinal, é possível estar por dentro da moda sem causar todos esses desastres negativos? Primeiramente, calma! Assim como todo o universo da moda, que é formado por antíteses, em algum momento toda essa carga enorme informacional vai cessar, de acordo com Érika Gottsfritz – “Uma hora ou outra, tenho minha sensação de que isso já está chegando, vamos saturar dessa hipervelocidade. Não tem como a gente conseguir manter isso por muitos anos”.


Mas enquanto isso não acontece, é bom pensarmos em maneiras de sermos mais ativas na moda causando menos danos em nós mesmas e no mundo. A jornalista de moda, beleza e bem-estar Luanda Vieira conta que o slow fashion está de fato em uma crescente, mesmo em meio ao fast fashion. “As pequenas marcas estão ganhando espaço entre os consumidores porque elas também trazem um fator muito importante [nos dias atuais]: a exclusividade”. Em um mundo de influências e influenciadores, não é difícil ver nossas queridinhas da web usando aquela peça mais exclusiva e única, certo?


Luanda Vieira conta ainda que, se observamos friamente os desfiles de moda, é possível ver uma certa repetição de tendências. “E é aí que vem aquela famosa frase de mãe: ‘Quem guarda, tem"'. Então antes de sair comprando mais roupas, que virarão mais lixo no mundo, que tal abrir o armário e ver se já não tem lá uma peça que seja ao menos parecida com o que procura? E caso você não tenha essa peça, brechós são uma ótima opção. E caso não tenha essa peça nem no brechó, tente ainda analisar os armários de sua família. “Olhar uma camisa do pai, do tio, do irmão; uma calça da mãe e um blazer da avó; e ir construindo esse grande acervo”.


Também é interessante ficarmos de olho em quem são as pessoas que seguimos – e se elas estão incentivando um consumo desenfreado ou “sendo gentis com o seguidor”. Acompanhar pessoas que não nos gerem gatilhos para compras compulsivas é a dica da vez. Já na parte psicológica, Luanda relembra a importância do autoconhecimento. “Quando a gente sabe quem somos e do que a gente gosta, fica muito fácil não cair nessas pressões”.

Na passarela… O lado não glamourizado da moda! 

Assim como existem os dois lados da moeda, existem também os dois lados da moda – o mais glamouroso e o mais tóxico. É incrível saber que a moda não é feita mais por uma única pessoa; e que temos muito mais liberdade para expor nossa criatividade e personalidade através da moda, devido a variedade de peças que temos à nossa disposição; fascinante é ainda analisar como o fashion é tão vivo quanto todas as outras coisas, sempre evoluindo, se movendo e crescendo.


Mas também é necessário pensarmos nas consequências, no preço que estamos pagando – e não estamos falando do preço em moedas. Por isso é importante frisar que, mesmo no ambiente digital, mesmo com toda essa rapidez, existem ainda movimentos – e trends, e hashtags, e movimentos – que tentam acompanhar toda essa evolução causando o menor dano possível ao universo e a si próprio. Afinal, ainda que vá na contramão, esse movimento também pode crescer e se tornar uma tendência – como é o caso do crescimento da procura por brechós, upcycling, e outros movimentos que crescem na web. Então sim, é possível usar o ambiente digital para minimizar os impactos ocasionados, por vezes, por ele mesmo.


Tenha um estilo, mas também não o coloque acima de absolutamente tudo; siga as influenciadoras, mas também siga a sua própria opinião; esteja na moda, mas nunca se esqueça das consequências dela; adira à tendência da vez, se ela fizer sentido para o seu estilo pessoal; e acima de tudo: usufrua de todo o conhecimento, liberdade e autenticidade que o ambiente digital nos presenteou. Como disse uma vez Anne Klein: “As roupas não vão mudar o mundo, as mulheres que a vestem que vão”.

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